Análise: ‘Sekiro: Shadows Die Twice’ não é para todos, e isso é muito bom

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Categoria: Games, PC, PS4, Review, XBOX ONE

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Um mundo fantástico no Japão feudal, corrompido pela falsa ilusão da vida eterna. Guerras intermináveis, mortes inevitáveis – Sekiro está entre nós.

Desenvolvido pela experiente From Software, responsável por uma das franquias mais populares de todos os tempos. Conhecida por proporcionar momentos épicos, outrora fatídicos nas mãos dos jogadores estes vistos em Dark Souls, e até o melancólico e sombrio Bloodborne, eis que estamos agora no Japão feudal. Uma versão onde folclores, mitos e lendas se entrelaçam realçando o conceito de luz e trevas. Aspecto este, que o próprio Lead Concept Designer Tetsu Takahashi descreveu em uma de suas entrevistas “Neste game, algo que eu gostaria de poder realizar é utilizar luz e escuridão, meio que simultaneamente. As emoções que acompanham luz e escuridão.”

HISTÓRIA

Sekiro começa em Ashina, uma terra localizada nas regiões ao norte. Um ambiente cercado de misticismo e de embates sem precedentes. Estamos em uma reimaginada era Sengoku – período real na história do Japão, (entre a metade do século XV e final do século XVI) conhecido por seus conflitos militares, revoltas sociais e golpes de estado, resultando em um dos capítulos mais obscuros e sangrentos da história do país.

Aqui, isso se traduz em ainda mais combinações folclóricas, estas que rodam as engrenagens mortais para níveis ainda mais alarmantes. Em meio a domínios territoriais e massacres, um príncipe carrega uma misteriosa linhagem de sangue que coloca à mesa o que possivelmente seria a chave para a vida eterna. Seria esta a solução para todos os problemas, ou o começo de novos?

Em Sekiro: Shadows Die Twice controlamos Wolf, um órfão abandonado nos campos de guerra e resgatado por seu então futuro mestre, e única figura paterna Ukonzaemon Usui (O Coruja). Lobo é um shinobi (しのび), uma espécie de agente secreto extremamente habilidoso nas artes de espada e furtividade.

E é com estes ingredientes que temos em mãos – podemos admitir, uma das mais subversivas fórmulas responsáveis pelo ódio de muitos (‘Sekiro: Shadows Dies Twice’ Needs To Respect Its Players And Add An Easy Mode) e amor de outros (No, ‘Sekiro: Shadows Die Twice’ Absolutely Does Not Need An Easy Mode) -, Sekiro é difícil, isso é inegável. Mas há algo além da dificuldade que transcende o gênero. E quem sabe, até abra margem para um debate sobre uma das mais icônicas frases de Steve Jobs “As pessoas não sabem o que querem, até mostrarmos a elas”. E é justamente isso que faz, do game algo tão especial, e único.

Por falar em particularidades tão especiais, é irrecusável não se espantar por tamanho esmero ao design de níveis (level design). Em outras palavras, tudo aqui funciona brilhantemente. Aos veteranos da experiência “Souls Like”, saiba que você está em casa. Vão embora calabouços e cidades góticas. Entram Fortalezas asiáticas, templos reforçados com shoji (um tipo de estrutura de madeira coberta por um papel translúcido) e Tatami.

CENÁRIOS

Ao longo da sua jornada, diversas locações trarão um ar de descoberta e respiro – por templos monges em decomposição a vilarejos sendo alimentados por fogo ardente. E acredite: há muito, muito mais. Sekiro aposta na diversidade e qualidade, sem abdicar do polimento extremo; sim, você ainda se impressionará por segmentos que se interligam das formas menos convencionais possíveis. A base do que fez a From Software ser reconhecida como um dos estúdios mais ousados permanece, mas aqui notamos uma evolução natural e que aposta em alicerces diferentes para entreter o jogador.

À primeira vista, a introdução é clara. Cenários maiores em espaços horizontais e verticais. Conquistando assim um senso de tridimensionalidade maior permitindo na prática abordagens menos lineares e engessadas. Você pode enfrentar os inimigos da forma mais agressiva e apostar no estalar de espadas – ou quem sabe, pular por telhados e destruir um a um de forma letal e silenciosa. Sim, há muito de Tenchu e até mesmo uma pitadinha de Batman: Arkham aqui e acolá.

Inclusive, para os saudosistas do Playstation 1, saiba que nos estágios embrionários de desenvolvimento, Sekiro ainda era Tenchu. E não, eu não me arrependo da decisão dos desenvolvedores – pois é justamente nesta mescla de misticismo, assassinatos ao maior estilo “ninja sem sentimento” e criaturas, que há a criação da personalidade e a concepção da alma do título.

Mecanicamente, o game desponta: logo nos primeiros minutos de sua história, vemos o braço do protagonista ser extirpado deixando-o desfalcado. Pois ainda bem que isso aconteceu. Vai o braço orgânico, e vem a prótese de ossos possibilitando vários encaixes diferentes nesta. Cada uma, carregando uma habilidade única e passiva de evoluções. Encontramos aqui a real concepção de playstyle.

Inimigos com escudos? Sem problemas, com um machado acoplado em sua prótese você poderá devastar a proteção dos inimigos rachando até mesmo seus crânios. Contextualmente, as armas prostéticas agem como uma forma de se adaptar aos mais diversos ambientes e inimigos – uma vez que, após suas fraquezas serem expostas, podemos explorá-la.

Lobos se curvam com temor aos fogos de artificio, certos inimigos detestam fogo; e tudo isso pode e deve ser usado. Com a introdução de novas possibilidades abrem-se novas margens de defesa e ataques. Ao todos são 10 ferramentas protéticas e o melhor, é que você poderá utilizar todas. Afinal, aqui não há builds a serem construídas ou classes a serem optadas. Sem fashion-souls. O que resta? Habilidade, estratégia e muita tentativa e erro.

Tentativas estas, que lhe farão passar por horas a fio aprendendo, praticando e estudando um dos aspectos mais primorosos presentes aqui – sua joia, seu triunfo: o combate.

Até agora aprendemos que Sekiro é grande, interconectado, versátil e ambientado em um lugar caótico. Mas nada disso seria tão recompensador se a estrela não se apresentasse com suas devidas proporções. Lutar em Sekiro não é só bonito de se ver, mas absolutamente cinematográfico (no bom sentido) e cadenciado. Com os chamados “hit-box” (áreas de acerto) meticulosamente calculadas. Tudo aqui funciona extremamente bem – e acredite: em anos de industria talvez este seja o único momento em que podemos prestigiar um sistema tão completo e responsivo.

 

Logo no início somos introduzidos a comandos básicos como atacar e defender. Mas Sekiro é mais, e essa adição vem em momentos intermediários a estes como, por exemplo: rebater e o mais importante – manter a postura. Ao contrário de títulos anteriores do estúdio, onde a esquiva e a defesa eram chaves para a sobrevivência, no game se manter ofensivo e gerenciar sua postura é a alma da trocação de lâminas. Neste sentido, abrimos novas possibilidades.

Em poucas palavras: agora é possível finalizar um inimigo sem que seja necessariamente obrigatório zerar sua barra de vida. Estranho? Totalmente plausível. A grande maioria dos inimigos agora apresentam barras de postura, estas que ao serem quebradas abrem a sua guarda. Neste momento, temos alguns segundos para performar um golpe fatal.

Ao rebater um golpe muitas vezes, abrimos a guarda do inimigo – e assim mais uma brecha é aberta para um abate instantâneo. Tal adição não só agrega à jogabilidade como também cria o que Sekiro tanto preza: diversidade e acessibilidade.

PROGRESSÃO

Acessibilidade esta que não se traduz em facilidades, e muito pelo contrário. Toda evolução proposta aqui não vem sem desgaste ou esforço demasiado; esqueça o farming, aqui ele é praticamente nulo (em seu método tradicional, por experiência) se o que você espera é conseguir destruir inimigos com pouquíssimos golpes. A estrutura de todo o jogo é mais… minimalista, mas jamais simplória.

Lobo não tem níveis a serem evoluídos, o que então nos traz um novo paradigma sobre sua proposta: não estamos tratando aqui de um RPG, e sim jogo definitivamente de ação. Em nenhum momento você sentirá que está legitimamente mais forte de forma artificial, e sim mais habilidoso como jogador.

No entanto, não me deixe te enganar: há sim, várias e várias alternativas. Estas que são inseridas em forma de habilidades que te permitirão repensar. Repensar novas situações, agir de uma nova forma. É possível desde aprender a ser mais silencioso aos ouvidos dos inimigos à aprender técnicas monges de combate, com direito a uma árvore de habilidades dedicada. O jogo tem muitas animações únicas, e elas são aproveitadas das melhores formas possíveis. Ao final, você ainda é um shinobi empunhando uma espada, mas como você se porta e luta cabe definitivamente a você.

Adotando uma postura tão frenética e acelerada, é na variedade de inimigos que o ritmo torna-se uma dança embalada por movimentos mortais. Sekiro não é sobre apertar botões de ataque e defesa, e sim ler o inimigo, sua animação. E assim, tomar sua decisão a partir do que seu oponente propõe.

Aqui, uma das decisões mais acertadas no design de som é justamente na atenção às variadas nuances em um combate. Rebata, e através do estalo, saberá a hora exata de finalizar seu oponente. Ou erre por pouco o timming e se prepare para um ataque devastador.

E acredite: com uma variedade impressionante de mini-chefes e chefes, existirão razões o bastante para que você se adapte a cada cenário proposto por estes, que já podem ser considerados os mais bem elaborados e criativos desenvolvidos pela From Software até hoje.

Yuka Kitamura está de volta! Esta é a mente brilhante por trás da excepcional trilha sonora de Bloodborne. e seu trabalho novo pode ser escutado acima Desenhando o tom musical de todos os lugares e transpirando personalidade em cada um destes, o destaque fica definitivamente por conta dos cenários finais – colocando o jogador nas alturas.

Não detalhamos sobre tudo o que você vai encontrar por aqui (sistema de renascer, mecânicas secretas, segredos, diálogos e decisões) e bom uma boa razão. Acima de tudo, a exploração, descoberta e o aprendizado são os elementos mais importantes. E cabe a você, jogador, estudar todos estes para receber o encerramento da história que você merece.

Ao final de tudo, Sekiro é mais do que uma obra de arte. Estamos falando de um título com mais de 60 horas de conteúdo (compleicionalista). E que, através de suas missões secundárias e seus finais alternativos – será um prato cheio para revisitações em seus NG+. Apresentando um combate extremamente polido e uma história mais acessível, mas que não se entrega, além de cenários de dar inveja – o estúdio reinventou sua própria fórmula, e entregou uma das experiências mais desafiadoras, recompensadoras e excitantes,  dos últimos anos.

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