The Dark Pictures Anthology trouxe uma fórmula de point and click para os dias atuais, os games desta série vem recebendo melhorias a cada título lançado, confira tudo que achamos de The Dark Pictures Anthology: House of Ashes.
Nas profundezas do mal
A experiência com jogos eletrônicos se tornou mais próxima a outras mídias como a televisão e o cinema muito por conta das tecnologias gráficas disponibilizadas ao longo do tempo bem como o crescimento das artes digitais. Isso possibilitou às empresas a desenvolverem jogos com mais foco na narrativa além personagens mais profundos e emotivos que mostram mais a realidade das interações humanas. Com o avanço das técnicas empregadas para a produção de jogos mais cativantes, os gêneros começam a ganhar um leque maior de possibilidades não se limitando somente a temas como a ação, a aventura e o RPG e criam novos modelos como o “point and click” que altera as mecânicas mais básicas da jogabilidade assim como surgem games mais focados em uma narrativa direcionada.
Muito popular entre os jogadores de PC, este gênero ganhou mais destaque entre o público geral quando em 2011 a produtora TellTale lançou o jogo baseado em The Walking Dead fazendo um forte apelo ao caráter emotivo do jogo e investindo fortemente nas relações entre os protagonistas. Sem uma grande perspectiva de sucesso comercial, o game ganhou o prêmio de jogo do ano no Game Awards e conquistou uma legião de fãs que se tornaram adeptos ao jogo storytelling cujo principal objetivo era acompanhar a história e tomar decisões a respeito da vida dos personagens.
Com esta perspectiva mais consolidada no mercado de jogos, novos títulos com uma funcionalidade mais narrativa apareceram no mercado e um dos maiores destaques foi lançado em 2015 pela Supermassive Games. Until Dawn contava a história de jovens que iriam passar um fim de semana na cabana cuja irmãs do proprietário Josh tinham sofrido um acidente fatal um ano antes. Com o intuito de superarem o trauma do passado, eles buscam se divertirem e esqueceram dos eventos com as irmãs de Josh, mas não sabiam que a vingança, a loucura intensificada pelo luto e a presença real de uma lenda local atrapalhariam os planos do fim de semana.
Sendo muito bem recebido por público e crítica, Until Dawn atualizou a forma de jogar um game com base em narrativa ao incluir mais opções de interação e desfechos intensos que podem mudar drasticamente os rumos da partida. Escolher quem vai viver e quem vai morrer se tornou um dos focos do título aumentando o fator replay e permitindo progressão alinhados ao chamado efeito borboleta.
Após alguns anos, ainda aproveitando o impacto de Until Dawn, a Supermassive Games lançou um projeto mais completo ainda seguindo muito das mecânicas e do sucesso de seu famoso jogo. Reunidos em uma antologia, Dark Pictures tem por objetivo ser um compilado de histórias de terror e suspense explorando personagens mais profundos. Com o lançamento de um episódio por ano, a intenção da produtora é entregar capítulos que agradem os jogadores dentro da perspectiva de uma forte narrativa fortalecendo esse tipo de gênero. Iniciando em 2019 com Man of Medan, um fraco começo para uma antologia que seria destaque e, melhorando o enredo em 2020 com o roteiro de Little Hope, o terceiro episódio, House of Ashes consegue entregar um trabalho mais relevante e consistente que os capítulos anteriores além de melhorias técnicas perceptíveis que fazem com o episódio criem uma imagem mais positiva do game como um todo que começou raso e veio buscando trilhar um caminho mais firme e de sucesso.
Cada capítulo da antologia narra um uma história diferente que não se liga com a anterior, portanto os jogadores poderão aproveitar cada episódio como uma aventura completa com personagens e final próprios. Desta vez, acontecimentos que envolvem uma sociedade antiga e uma raça alienígena colonizadora dão o tom sombrio sendo um enredo muito convidativo e interessante de acompanhar. Saem de cena os personagens estereotipados para dar lugar a personalidades íntegras e com questões pessoais mais sérias longe da perspectiva juvenil de Man of Medan. Sendo uma história pautada em uma missão militar, os protagonistas enfrentarão uma ameaça bem mais perigosa que uma guerra entre países inimigos.
Como uma forma de intensificar o a temática e deixá-la mais convincente, a história de House of Ashes começa na civilização antiga da Acádia cujos povos inimigos travaram uma briga mortal por conta de uma maldição que assolava os povos. Entretanto, a praga e a fome se alastraram e a sociedade Acadiana percebeu que o inimigo não era outro ser humano, mas uma forma de vida mais predadora cruel que destruiu reis e súditos em um curto espaço de tempo. Enterrada pelas areias do tempo, a civilização Acadiana foi encontrada no século XX pelos ingleses que buscavam nas escavações do lugar artigos antropológicos de alto valor sem saber que a ameaça que destruiu um império inteiro ainda estava lá. Derrotados pelo mesmo mal que fez Acádia sucumbir, os arqueólogos ingleses deixaram registros sobre suas explorações que nunca chegaram a ser vistos até que uma operação americana no Iraque em 2003 descobriu, através de satélites, a presença de um suposto armamento de Saddam Hussein que levou uma tropa de soldados de elite a explorar o local como uma forma de amenizar os conflitos.
Os personagens principais de House of Ashes fazem parte desta equipe de militares que saem em missão de guerra, mas descobrem um mal sobrenatural enterrado debaixo de seus pés pondo à prova suas crenças e valores sobre o mundo e sobre si mesmos. A missão que tinha por objetivo encontrar provas para combater os iraquianos se torna uma luta pela sobrevivência cujos soldados poderão não sair vivos da empreitada para ver a luz do sol novamente.
Evolução técnica em nome da relevância
Ainda guardando muitos elementos de Until Dawn, Dark Pictures House of Ashes traz novamente o poder de escolha dado ao jogador fazendo com que a história tenha rumos diversos e a vida das pessoas seja decidido pelas ações tomadas ao longo da campanha. Esse recurso muito bem desenhado pela Supermassive Games volta ainda mais relevante que os outros jogos junto com outros elementos técnicos que vão dar ao jogo uma representação mais madura e interessante fazendo com que a antologia se torne um investimento mais relevante para os jogadores.
O primeiro aspecto técnico que se destaca de imediato são os gráficos que mostram um salto mais que perceptível em relação aos outros capítulos, visto que o poder do motor Unreal Engine está sendo usado em sua totalidade com todos os critérios necessários para atender as demandas da nova geração de consoles. Texturas refinadas, iluminação precisa, movimentação apurada e expressões faciais convincentes fazem parte do pacote gráfico que deixa para trás feições artificiais e ambientes com baixa resolução se aproximando de um filme. Vale destacar também a resolução promovida pelos consoles que apresentam um forte trabalho de renderização que garantem a evolução do título e uma entrada definitiva à nova geração. Isso significa dizer que que todos os elementos que aparecem na tela podem ser vistos com precisão sendo possível diferenciar muito mais que a paleta de cores. Tecidos, objetos, paisagens, locais abertos e fechados estão em alta definição sendo todos iluminados de forma realista aproveitado ao máximo o poder dos processadores gráficos disponíveis. Apesar de haver algumas oscilações gráficas que resultam em demora no carregamento das texturas, além de alguns elementos distantes dos cenários que aparecem em menor resolução, todo o trabalho gráfico do game é de altíssima qualidade e vão garantir um brilho especial que colabora para o bom desempenho. Os jogadores poderão se impressionar com o visual que vai certamente ajudar compor o clima de tensão proposto pela desenvolvedora.
Habituada a trabalhar com uma grande produção digna de um filme ou uma série, a Supermassive Games sempre entrega uma experiência de áudio relevante que transforma um jogo em uma verdadeira obra cinematográfica com trilha sonora orquestrada e que define a experiência que vai mergulhar quem joga em um mundo obscuro. Como forma de ainda surpreender o público e mostrar que a empresa busca sempre crescer em suas técnicas, a dublagem dos personagens também evoluiu e traz uma interpretação mais humana e convincente distante dos personagens caricatos de antes. Uma prova dessa evolução sonora está na voz da super estrela Ashley Tisdale que interpreta Rachel uma das principais personagens da trama que traz questões pessoais em meio à sobrevivência conta as entidades malignas. Todo o elenco de atores desempenha um trabalho competente e promovem uma interpretação que está à altura de qualquer produção de Hollywood mostrando que os jogos eletrônicos são uma mídia poderosa e estão crescendo rapidamente nos fatores técnicos.
Com o intuito de ser mais relevante que os outros dois episódios, é na jogabilidade que House of Ashes ganha seu maior destaque entregando comandos variados, precisos e intuitivos que reforçam a história que está sendo contada. Os comandos colocam o jogador em múltiplos papéis indo desde o atirador de elite até a pessoa que precisa controlar seus próprios instintos. Quase como uma marca registrada da produtora, o apertar de botões na sequência correta fazem com que a progressão da narrativa aconteça e tenha impacto direto em vários aspectos do jogo como o desenrolar dos fatos, o relacionamento entre os personagens e as decisões morais que podem ser feitas pelo caminho.
O mais interessante da jogabilidade é a plasticidade que ela assume de acordo com o contexto fazendo com que os jogadores experimentem diferentes formas de comandos impulsionado a experiência narrativa. Além desses comandos pontuais, a exploração é outro forte elementos permitindo o controle total do personagem em busca de colecionáveis, que são as provas deixadas que completam a história, e fornecem momentos extras do storytelling aproximando o game a um formato mais tradicional que completa o gameplay de maneira equilibrada. Os QTEs (Quick Times Events) marcam presença novamente exigindo reflexos rápidos para que a ação seja completada e são responsáveis por muitos momentos decisivos do enredo que podem mudar os caminhos da jornada para resultados menos previsíveis. É a junção de vários tipos de jogabilidade que faz com que as partidas de House of Ashes sejam sempre imersivas e interessantes não deixando o jogo cair na mesmice por conta de um jogo pautado na narrativa.
De maneira geral, todos os protagonistas possuem os mesmos comandos e habilidades, portanto é nos relacionamentos entre eles que cada um vai mostrar sua essência que altera as dinâmicas do jogo e consequentemente o final a ser construído. Rachel e Eric são casados, mas o matrimônio não está bem por conta da distância e do trabalho, o que faz com que o casal tenha uma situação de caráter pessoal a ser resolvida durante as dificuldades da operação. Em meio a esta história está Nick, o amante de Rachel que desestabiliza ainda mais a relação e deixando Rachel mais confusa. Parte do enredo desses personagens é contado sobre este tema fazendo com que o término do casamento seja uma questão a ser discutida pelo três durante os embates pela sobrevivência.
Outro personagem também tomado por questões pessoais é Salim, o soldado iraquiano que acaba entrando na missão junto com os americanos. Além de ter que construir um elo de confiança e amizade com o próprio inimigo, Salim pretende sair vivo para poder voltar para seu filho que ele cria sem a mãe buscando oferecer a melhor educação e valores possíveis. Os dramas pessoais destes personagens criam uma sensação de empatia que fortalece a história e faz com que a experiência seja interessante e recheado de questões humanas. Dessa forma, todo jogo ganha profundidade e evita ficar preso somente ao fator sobrenatural que pode parecer menos verossímil se utilizados com exaustão.
House of Ashes, assim como os outros capítulos da antologia, faz com que o jogador queira explorar novos caminhos da narrativa e tomar decisões diferentes da primeira partida. A linha de storytelling não é fácil de ser prevista e uma tomada de decisão que pode parecer inocente ou descompromissada faz com que personagens sofra consequências graves ou mesmo causar a sua morte.
Para os colecionadores de conquistas/troféus, toda a antologia de Dark Pictures com suas as idas e vindas na campanha pode ser uma boa opção para um melhor aproveitamento do game visto que não é possível obter todas as conquistas em uma única partida. Neste sentido, único ponto negativo de House of Ashes, e também de toda a antologia, é a repetição da história mesmo que haja caminhos e resultados diferentes a serem vistos. De uma forma geral, a narrativa do jogo segue uma lógica linear com variações nos desfechos de acordo com a decisão do jogador, porém isso não impede que o jogo perca um pouco do brilho mesmo com tantas opções a serem visitadas e revisitadas de diferentes formas.
House of Ashes é a consagração e maturidade da Supermassive Games que entregou um jogo de extrema competência, divertido e equilibrado nos fatores técnicos permitindo que os jogadores possam aguardar com ansiedade o final da temporada que virá com o lançamento do quarto capítulo intitulado The Devil in Me. Para finalizar essa antologia, a produtora pretende entregar uma história mais “intimista” cujo nome é bastante sugestionável para um conjunto de jogos que preza pelo terror e clima de suspense. Se levarmos em consideração toda a riqueza e competência de House of Ashes, podemos esperar um Season Finale de grande porte vindo por aí.
Vale a Pena?
House of Ashes é o melhor capítulo da antologia Dark Pictures que começou com histórias rasas e pouco envolventes. Ainda mantendo muito da essência que consagrou a Supermassive Games, o jogo traz uma história mais séria e convincente que envolve desde uma civilização antiga até uma raça alienígena descoberta séculos depois de sua existência.
Os fatores técnicos estão visivelmente mais apurados e colaboram para um desenvolvimento mais eficiente da campanha promovendo o clima de tensão e suspense na medida certa para não deixar as partidas cansativas. Se você procura um bom jogo pautado em uma narrativa rica e consistente, pode apostar em House of Ashes sem receio de fazer um mal investimento.
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